Treinamento Esfincteriano – Desfralde.

Treinamento Esfincteriano (TE)

O treinamento esfincteriano (TE) é um marco importante do desenvolvimento físico e psicológico em crianças, além de constituir um desafio para as famílias, pois ocorre em fase na qual a criança necessita de autoafirmação e há expectativa das famílias de que a continência ocorra o mais breve possível.

Quando a criança se conscientiza sobre sua própria necessidade de eliminar urina e fezes ela já pode ser considerada “treinada” para o controle e, então, pode iniciar o ato sem um lembrete ou um preparo por parte dos pais. O controle da evacuação, em geral, precede o controle da micção.

Abordagem Orientada para a Criança indicada pela Academia Americana de Pediatria (AAP) recomenda que as crianças não sejam forçadas a iniciar o processo de TE até que apresentem os sinais de prontidão.

A média de idade de início do processo do TE é em torno dos 22 meses e a média de conclusão aos 27,4 meses, ocorrendo mais precocemente nas meninas. O prazo de duração do processo fisiológico de TE pode variar entre 6 e 12 meses. As crianças com desenvolvimento neuropsicomotor normal começam a mostrar as habilidades de prontidão e a maturidade física necessárias para o TE geralmente entre 24 e 36 meses de idade. É importante ressaltar que toda criança tem um desenvolvimento individualizado e, portanto, somente a idade não é um bom critério para decidir o momento de iniciar o TE.

Quando a criança está pronta para iniciar o processo de treinamento esfincteriano?

Avaliação dos Sinais de Prontidão

Os principais sinais de prontidão estão relacionados à capacidade da criança de:

  1. Imitar o comportamento dos pais ou de cuidadores.
  2. Desejar agradar.
  3. Desejar ser autônomo: insistir em concluir tarefas sem ajuda e orgulhar-se de novas habilidades.
  4. Andar e estar apta a sentar de modo estável e sem ajuda.
  5. Pegar pequenos objetos.
  6. Capaz de dizer NÃO como sinal de independência.
  7. Entender e responder a instruções e seguir comandos simples.
  8. Saber puxar as roupas para cima e para baixo.
  9. Possuir um vocabulário simples referente ao treinamento esfincteriano.
  10. Usar palavras, expressões faciais ou movimentos que indicam a necessidade de urinar ou evacuar.
  11. Mostrar interesse em outras pessoas que estejam usando o banheiro.
  12. Ficar seco por duas horas ou mais durante o dia.
  13. Dizer que está “fazendo xixi” no momento da micção, em geral nos banhos.
  14. Dizer aos pais que acabou de urinar ou evacuar em pequena quantidade na fralda e se incomodar com a fralda molhada. Tentar retirar fralda molhada ou pedir para ser trocado (consciência física).
  15. Não querer usar fraldas ou mostrar interesse em cuecas ou calcinhas.
  16. Conseguir ficar parada no penico ou vaso sanitário por 3 a 5 minutos.
  17. Permanecer brincando com a mesma atividade por mais de 5 minutos.
  18. Ser capaz de apontar o que deseja.
  19. Ter iniciado a comunicação por palavras ou frases simples.
  20. Não apresentar atrasos nos marcos do desenvolvimento neuropsicomotor.
  21. Compreender e seguir os comandos simples.

 

A AAP recomenda somente o uso de elogios para reforço, desencorajando o uso de guloseimas ou recompensas materiais, como brinquedos.

O processo de TE não deverá ser iniciado em um momento de estresse da vida da criança ou da família (por exemplo, após uma mudança de casa ou após o nascimento de um novo irmão) e os pais deverão estar preparados emocionalmente para lidar tranquilamente com as perdas urinárias e fecais inevitáveis, que ocorrerão até o final do processo. O ideal é que, em caso da criança frequentar escola ou creche, que o TE seja iniciado de forma concomitante em todos os ambientes.

O penico fornece a melhor posição biomecânica para a criança. O fundamental é tornar o processo de TE fácil e o mais divertido possível para a criança, sem qualquer forma de cobrança. Os pais deverão apresentar o penico como objeto pessoal da criança. Ele deverá ser escolhido junto com a criança e colocado em um local conveniente para que ela se sinta atraída a usá-lo.

A criança deve ser ensinada a observar, tocar e familiarizar-se com o penico bem antes de seu uso ser encorajado, em um momento prazeroso e lúdico. Ela deve sentar-se sobre ele totalmente vestida, para evitar um desconforto inicial e gerar confiança, sem criar nenhuma expectativa. Nunca forçar a criança a sentar-se ou permanecer sentada no penico. Em seguida, a criança é incentivada a sentar-se no penico após a remoção de uma fralda molhada ou com fezes.

Para ajudar a criança na conceituação e compreensão do processo, os pais podem demonstrar o propósito do penico, por exemplo, depositando nele o conteúdo de fraldas sujas.

Finalmente, a criança é encorajada a desenvolver uma rotina de sentar-se no penico em horários específicos do dia (por exemplo, depois de acordar de manhã, após as refeições ou lanches, antes de dormir). É importante elogiar a criança sempre que ela se sentar no penico.

Uma vez que a criança usou o penico com sucesso por uma semana ou mais, pode-se desfraldar a criança. Existem calças de treinamento (laváveis e reutilizáveis) que podem facilitar o processo para os pais. O ideal é que o treinamento esfincteriano seja completo e que se evite usar a fralda durante o dia, o que pode confundir a criança e dificultar o processo.

Perdas urinárias ou fecais são inevitáveis, e os pais precisam ser compreensivos e mostrar à criança que isso pode acontecer. Importante sempre demonstrar naturalidade e evitar criticar ou repreender a criança nessas situações de perdas.

A transição para o vaso sanitário somente deverá ser iniciada quando a criança estiver segura e treinada no uso do penico.

Algumas crianças querem imitar os pais e optam pelo vaso sanitário. É necessário colocar um redutor de assento de vaso sanitário e um apoio para os pés para que fiquem firmes e seguros. Um banco elevado será usado tanto para a criança alcançar o assento, quanto para apoiar os pés enquanto estiver sentada, dando a sensação de que ela pode sair quando for preciso e auxiliando-a na posição mais fisiológica para a evacuação.

Algumas crianças têm medo de cair no vaso sanitário (mesmo com o redutor de assento) e do barulho da descarga de água. É importante orientar que, nesses casos, usar um penico pode ser mais fácil. Como a criança aprende muito pelo exemplo, os pais devem demonstrar como eles usam o vaso sanitário. Repetir as demonstrações faz a criança ganhar segurança.

Cada criança tem um temperamento e a hora do dia em que a mesma é mais acessível e cooperativa. Se a criança é geralmente tímida e retraída, ela pode precisar de apoio e incentivo adicionais. É fundamental entender o nível de frustração da criança e estar pronto a apoiá-la e tranquilizá-la a cada passo.

Ressalta-se que se a criança sentir-se pressionada, se os pais se referem às eliminações como algo inadequado, sujo, e de odor ruim, ou se o processo de TE for estressante, ela pode começar a reter a urina ou fezes. Nesses casos, o processo deve ser interrompido e deve-se aguardar.

Para os pais:

  • Escolher um horário em que os mesmos tenham tempo e paciência para dar atenção necessária. Os finais de semana deverão ser bem aproveitados, caso algum dos pais estiver de folga do trabalho. Os dias de feriados em que todos estão disponíveis pode favorecer.
  • Auxiliar a criança a preparar-se para o processo do TE, mostrando a ela que urinar e evacuar é um ato normal a todas as pessoas. Pode-se usar a expressão: “a partir de hoje você vai fazer xixi e cocô (ou urinar e defecar) igual a gente grande, igual ao papai e à mamãe”.
  • Incentivar a criança a acompanhar os pais ao banheiro e conversar sobre a sua utilização. Ensinar à criança as palavras necessárias para o processo do TE. Estabelecer uma conversa padrão no banheiro. Alguns especialistas recomendam usar palavras formais (defecar, urinar) em vez de jargões, para que as crianças não fiquem constrangidas com termos infantis quando forem mais velhas, mas o mais importante é ser consistente no seu uso e utilizar uma forma de comunicação que a criança entenda e que consiga se fazer entender em todos os contextos. E nunca se referir ao conteúdo das fraldas com nomes pejorativos ou com desprezo.
  • Assentos, penicos e bancos devem ser firmes e seguros. Além de cuidar para que esteja limpo e sem odor desagradável. Algumas crianças relutam em ir ao banheiro por causa dessas características.
  • Vestir a criança com roupas que sejam mais simples de colocar, de retirar e de lavar. O processo de TE será mais fácil nos dias mais quentes, pois menos roupas serão removidas além de não ter a sensação de desconforto da baixa temperatura.
  • Incentivar a criança a avisar quando da eliminação de urina e/ou fezes, na fralda, mesmo as pequenas quantidades. É fundamental que os pais entendam os sinais que expressam que a criança está prestes a urinar ou evacuar (por ex. cruzar as pernas ou agachar) com a finalidade de guiar a criança para o banheiro ou penico. Muitas crianças apertam os genitais para conter a urina. Sempre que a criança realizar algumas dessas manobras os pais devem levá-la ao penico ou ao toalete, mesmo que ela diga que não está com vontade, de forma carinhosa e com paciência. Os pais precisam estar prontamente disponíveis para atender as demandas, pois o tempo, entre o momento que a criança tem a sensação que vai urinar ou evacuar e o ato de eliminar propriamente dito, é muito curto.
  • Para a criança ganhar autonomia para a defecação, convém colocá-la sentada no penico ou vaso sanitário sem fralda, nos horários em que a mesma geralmente evacua, alguns minutos depois de uma refeição. Também colocá-la para urinar depois de uma soneca caso acorde seca é educativo.
  • Não é recomendável manter a criança sentada no penico ou no vaso sanitário por mais de 3 a 5 minutos aguardando a eliminação. Pode parecer uma punição e não a auxilia para a aquisição do TE.
  • Explicar que a criança não tem as habilidades para realizar a higiene íntima corretamente após urinar ou evacuar, então será necessário auxiliá-las até que consigam fazer adequadamente sozinhos. Vale a pena ressaltar a importância de ensiná-las lavar as mãos depois de usar o vaso sanitário ou o penico.
  • Solicitar e auxiliar os pais a terem paciência durante todo o processo. Pode levar várias semanas para que a criança consiga a aquisição do TE. Expectativas irrealistas dos pais, início do TE muito precoce ou de maneira agressiva poderão determinar redução da autoconfiança da criança.

Orientação aos pais para facilitar o treinamento

  1. Decida o vocabulário a ser usado.
  2. Assegure-se de que penico ou o vaso sanitário sejam facilmente acessíveis.
  3. Se usar o vaso sanitário, use um redutor de assento e um apoio para os pés.
  4. Permitir a criança assistí-lo a usar o banheiro.
  5. Incentive a criança a avisar quando ela sentir que urinou ou evacuou em pequena quantidade ou quando sentir vontade.
  6. Elogiar o sucesso e a tentativa de avisar mesmo quando ocorreu perda.
  7. Aprenda os sinais comportamentais da criança quando ela estiver na iminência de urinar ou evacuar.
  8. Não esperar resultados imediatos; as perdas fazem parte do processo.
  9. Garantir a cooperação de todos os cuidadores para fornecer uma abordagem consistente.
  10. Após sucessos repetidos, usar calças de treino ou roupas íntimas.
  11. Sempre encorajar a criança com elogios e sem guloseimas. Não é permitido qualquer punição e/ou esforço negativo.

Orientar as meninas a limpar a região genital iniciando da parte de frente para trás, evitando assim a contaminação da vagina com as fezes.

O insucesso do TE é muito frequente quando iniciado na ausência de sinais de prontidão. Se a criança não estiver pronta, as tentativas em concluir o TE não serão eficazes.

Outra causa de insucesso ocorre quando o TE é iniciado em apenas um ambiente em que a criança convive; ou quando há falta de homogeneidade na orientação por parte de um dos pais (cada pai orienta de uma forma, ou um permite o uso de fraldas na ausência do outro, ou um é muito exigente e o outro permissivo) ou entre o ambiente casa/escola.

Se uma criança expressar a recusa para o TE, uma pausa de um a três meses é sugerida. Isso permite que a confiança e cooperação sejam restabelecidas entre pais e filhos. Depois desse intervalo, a maioria das crianças está pronta para reiniciar o treinamento.

Os pais não devem usar termos pejorativos para as fezes ou para o ato de evacuar, bem como sinais de que possam sugerir nojo relacionado ao ato (como, por exemplo, fralda suja ou com cheiro ruim).

Fonte:

Sociedade Brasileira de Pediatria

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