A dor abdominal recorrente é na maioria das vezes de causa funcional, ou seja, não existe uma causa orgânica (nem inflamatória, nem anatômica e nem por dano tecidual) que justifique essa dor.
Ela ocorre em 0,5 a 19% na infância e adolescência, apresentando dois picos de idade: entre 4 e 6 anos e entre 7 e 13 anos.
Ela inclui uma predisposição genética e envolve anormalidade da motilidade, hipersensibilidade visceral, sensibilização e hipervigilância central, visto a quebra da função/estrutura do eixo microbiota-intestino-cérebro, ocasionada por eventos psicológicos ou biológicos (como após uma infecção).
Nessa situação, pequenos estímulos do trato digestório (TG) para o sistema nervoso central (SNC) desencadeiam a dor.
Eventos precoces como cirurgias, processos inflamatórios (alergias alimentares) ou infecciosos do TG e anormalidades da microbiota (uso de antibióticos, anti-inflamatórios, antiácidos) são gatilhos para o desenvolvimento da DAF.
Crianças com DAF são mais ansiosas, depressivas e têm história prévia de eventos estressantes como abuso. Situações estressantes familiares e escolares também podem ser gatilhos. Os pais dessas crianças geralmente apresentam dor crônica, o que pode influenciar o comportamento aprendido pelos filhos.
Classificação clínica (Critérios de Roma IV):
- Dispepsia funcional
- Síndrome do Intestino Irritável
- Enxaqueca abdominal
- Dor abdominal funcional sem especificações
Nos distúrbios gastrointestinais funcionais, existe uma correlação cérebro–intestino–microbiota. A percepção da dor é multifatorial e complexa.
Existe um menor limiar para dor abdominal nesses pacientes e parece haver uma predisposição genética.
Estresse familiar e escolar, ansiedade, depressão e alterações de humor são gatilhos importantes. Alterações na microbiota intestinal e infecções do trato digestivo também podem facilitar a dor.
Geralmente, a dor ocorre ao redor do umbigo, mas pode aparecer na “boca do estômago”, com início súbito e intensidade moderada a forte. Pode interromper as atividades habituais. Durante a crise, pode haver sudorese, palidez, náusea e, raramente, vômitos.
A dor geralmente ocorre durante o dia e melhora sozinha. Não interfere no crescimento ou ganho de peso da criança.
Dispepsia Funcional
Para o diagnóstico, devem estar presentes 1 ou mais dos seguintes sintomas ao menos 4 dias por mês, por pelo menos 2 meses antes do diagnóstico:
- Plenitude pós-prandial – sensação de estômago cheio e pesado após comer
- Saciedade precoce – come pouco e já está satisfeito
- Dor epigástrica que não se associa à evacuação
- Os sintomas não podem ser explicados por outras doenças
Subtipos:
1 – Síndrome de dificuldade pós-prandial
Sensação de estômago cheio, náusea após comer, arrotos excessivos, distensão epigástrica, desconforto na região superior do abdome, sensação de estar empanturrado e interrupção precoce da refeição.
2 – Síndrome da dor epigástrica
Dor ou queimação na “boca do estômago”, com ou sem alívio após comer, grave o suficiente para interferir nas atividades.
Síndrome do Intestino Irritável (SII)
Quadro de dor abdominal associada à alteração do hábito intestinal: mudança na frequência e consistência das fezes, esforço ou urgência para evacuar, sensação de evacuação incompleta, distensão abdominal e presença de muco nas fezes.
Critérios diagnósticos:
- Dor abdominal por pelo menos 4 dias ao mês
- Associada a 1 ou mais dos seguintes sintomas:
- Evacuação
- Alteração na frequência das fezes
- Alteração na consistência das fezes
A dor abdominal pode ocorrer mesmo após a evacuação e resolução da constipação.
Os sintomas não podem ser explicados por outra doença.
Enxaqueca Abdominal
Caracteriza-se por dor abdominal de forte intensidade, com ou sem alterações de humor ou comportamento. Pode haver fotofobia e fonofobia (incômodo com luz e som), típicas de enxaqueca.
Pode ou não estar associada com dor de cabeça. Alimentos como chocolate e queijos podem desencadear as crises.
Critérios diagnósticos:
- Crises de dor abdominal intensa ao redor do umbigo, durando 1 hora ou mais
- Episódios com intervalos de semanas ou meses
- Dor incapacitante que interfere nas atividades
- Associada a 2 ou mais sintomas: anorexia, náusea, vômitos, dor de cabeça, palidez, incômodo com a luz
- Padrões e sintomas repetitivos no mesmo paciente
- Após avaliação adequada, os sintomas não podem ser explicados por outra causa
Importante:
Para confirmação diagnóstica e tratamento adequado, consulte um gastropediatra.


